quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Em quem mesmo eu votei? 80% dos brasileiros não sabem em quem votaram para o Congresso

Lula Marques/Folhapress

Em quem mesmo eu votei? 80% dos brasileiros não sabem em quem votaram para o Congresso; especialistas explicam a "amnésia coletiva... 

Todos "de olho" no Executivo


Para Luciano Santos, codiretor do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), os eleitores esquecem facilmente dos seus deputados e senadores porque o formato da campanha eleitoral no Brasil favorece a disputa para os cargos do Executivo e coloca o Legislativo em segundo plano.

"Todas as atenções, até mesmo da mídia, estão muito mais voltadas para a disputa no Executivo, sobretudo para a disputa à Presidência. Todos os olhos estão voltados para isso. O sistema de coligações proporcionais que vigorou durante muito tempo também colaborou para esse distanciamento", afirma.

O professor do departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) Bruno Speck destaca outro elemento. Segundo ele, os eleitores não lembram dos seus candidatos porque falta fidelização entre eles e os partidos políticos.

“No Brasil, os partidos são relativamente novos e isso dificulta essa identificação. Além disso, alguns partidos fazem questão de não fidelizar seus eleitores ou de dificultar essa tarefa com constantes mudanças de nome. Essas mudanças contribuem para essa distância”, afirma.
Proporcional x Distrital

O sistema proporcional adotado no Brasil é outro fator apontado por Maurício Moura. Em síntese, neste modelo, os votos são computados primeiramente aos partidos, e os eleitos são os candidatos mais votados dentro de cada legenda. Isso faz com que, às vezes, candidatos com um bom desempenho nas urnas não sejam eleitos simplesmente porque seus partidos não conseguiram votos suficientes para conseguir uma cadeira na Câmara, por exemplo.

O sistema proporcional também faz com que, por outro lado, um candidato que obteve pouca votação seja eleito porque seu partido alcançou, na contagem geral, um volume maior de votos. É o chamado voto de legenda. "Esse modelo amplia a distância entre o eleitor e os candidatos. Em países que adotam o voto distrital, por exemplo, a proximidade é muito maior", afirma.

No sistema de voto distrital, o estado é dividido em distritos e os parlamentares eleitos são os candidatos mais votados em cada um deles.

A duração da campanha no Brasil também é apontada por Moura como mais um dos motivos para esse esquecimento.

Quando se compara o tempo de campanha no Brasil com o de outros países, como os Estados Unidos, se percebe que há muito pouco tempo para que os eleitores brasileiros conheçam os candidatos e avaliem as propostas

Maurício Moura, pesquisador

"Nos Estados Unidos, por exemplo, o tempo de campanha é maior, e isso aumenta a exposição dos candidatos ao eleitor”, argumenta.

Nas campanhas norte-americanas, o período eleitoral, no qual os candidatos se apresentam aos eleitores, pode durar, em alguns Estados, até seis meses. No Brasil, o período eleitoral neste ano vai durar apenas 45 dias.

O quarto fator, a educação média do brasileiro, é, segundo Moura, o mais difícil de ser mensurado e comparado. "É difícil avaliar isso com base em dados, mas a minha percepção é a de que uma parte grande do eleitor brasileiro não sabe a função dos parlamentares. Sem saber essa função, fica difícil fiscalizar", afirma.
Ueslei Marcelino/Reuters

Esquecer é mesmo ruim?

Se a maioria dos brasileiros não lembra em quem votou para deputado federal ou senador, isso é necessariamente ruim? Os especialistas ouvidos pelo UOL divergem em relação ao tema.

Para Maurício Moura, esquecer em quem votou dificulta o trabalho de fiscalização sobre os eleitos. "Eu acho que isso é ruim para a democracia. Se a gente não lembra, é quase impossível fiscalizar", afirma.

O cientista político e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Carlos Pereira discorda. Para ele, o fato de o eleitor brasileiro não lembrar não é necessariamente ruim.

"Isso não é algo que acontece apenas no Brasil. Acontece na maioria dos países com democracias sofisticadas como a brasileira", afirma. "Além disso, o eleitor não tem como ficar fiscalizando seu parlamentar o tempo todo, como se fosse uma patrulha policial. O eleitor tem uma agenda lotada, ele trabalha, namora, se diverte. Não tem como exigir isso dele", diz Pereira.

"Há instituições que fazem o trabalho de fiscalização da vida parlamentar em nome do eleitor. Entre elas, está a mídia, e o que a gente chama de grupos de interesse. Em geral, o eleitorado só faz esse acompanhamento de forma mais próxima quando há algum tema muito sensível na agenda do Parlamento. No dia a dia, isso não acontece. E não é só no Brasil. É no mundo inteiro", opina.

Na avaliação de Pereira, os chamados grupos de interesse estão cada vez mais ativos e usando ferramentas como a internet para pressionar os parlamentares e cobrar posicionamentos. "Durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, a gente via diversos grupos fazendo esse movimento. De uma certa forma, é assim que as coisas funcionam em uma democracia sofisticada como a nossa", diz o professor da FGV. 

Os grupos de interesse, segundo Pereira, são entidades da sociedade civil como ONGs (organizações não governamentais), associações, sindicatos, comunidades religiosas, entre outras, que têm mais ou menos capacidade ou recursos para atuar junto aos parlamentares e favorecer suas agendas.

Moura concorda parcialmente com Pereira sobre o papel da mídia e dos grupos de interesse como mecanismos de monitoramento do comportamento parlamentar. Mas avalia que a participação ativa da população nesse trabalho também é importante.

“Eu concordo que essas entidades podem exercer esse papel, mas, se o eleitor não acompanha, fica muito difícil punir ou premiar aqueles parlamentares que exerceram bem ou mal os seus papéis. Essa falta de acompanhamento coloca o cidadão ainda mais longe do parlamentar", conclui o pesquisador.

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